Gira o mundo, pessoas aqui e acolá, convivência cada vez mais difícil nas grandes cidades e tolerância zero que alguns adotam, seja para se proteger ou para se impor, sem consideração com o próximo e numa arrogância como se fosse o único ser humano a existir na face da terra.
Ontem, ao voltarmos pra casa de um jantar com amigos, havia um caminhão enorme de lixo, na contra-mão, quase em frente ao meu prédio, retirando os sacos que os porteiros colocam para serem retirados à noite no bairro. Percebemos um carro parado à nossa frente e meu filho se colocou atrás do mesmo, com calma e educação aguardando o motorista e os garis fazerem seus serviços. De repente, um carro grande, uma pick up, preta de vidros igualmente pretos e fechados, colou na traseira do nosso carro e piscava insistentemente, sinalizando que queria rapidez ou entrar logo no prédio ali à direita. Pedimos ao filho para dar passagem ao vizinho apressadinho e mal educado que não poderia, como nós, aguardar a operação do lixeiro, e assim deixamos ele passar com empáfia e entrar no seu prédio, quase arranhando a grade de entrada do mesmo. Menos de 1 minuto depois, o caminhão de lixo saiu do local que estava e deu-nos passagem. Nosso prédio era um mais na frente do tal vizinho.
Não entendo como alguém possa se comportar de forma tão mal educada e insensata, querendo levar vantagem em tudo e sobrepondo-se às outras pessoas. A cada dia cresce o número de pessoas agindo assim e sempre escondidas atrás de vidros pretos de seus carros. Esta é uma atitude muito comum nos bairros de classe média de nossas grandes cidades e tudo isso cansa, leva-nos a questionar se vale mesmo a pena ter este convívio diário tão desgastante ou se a vida no campo é mais humana e menos predatória.
O texto abaixo, já deixei aqui uma vez, mas acho que vale a pena fazer uma releitura de como seria esse homem/mulher cordial, vizinhos perfeitos, cidadãos do futuro, habitantes impecáveis de um mundo apinhado e tolerante.
(Por Adília Belloti - jornalista-editora do IG)
Vamos ver…
- dizer por favor, muito obrigado/a, com licença, básico
- respeitar filas, à pé, de bicicleta, de carro
- ser generoso com os sorrisos
- e muito econômico nas críticas
- saber quando oferecer ajuda…
- e quando manter distância
- conhecer o mundo o suficiente para apreciar seus múltiplos aspectos
- e tolerar conviver com seres diferentes de si mesmo
- não deve se intimidar com costumes exóticos, ao contrário, encontrar o vizinho tailandês caçando grilos ao entardecer para fritá-los no jantar deveria no máximo provocar nesse ser cordial um sorriso de cumplicidade e, eventualmente, com graça e elegância, ele poderia oferecer uma lanterna
- precisa dominar a arte de conversar, sobre o tempo, economia, política, futebol e até religião sem perder a expressão afável e, sobretudo, jamais, nestas situações, ameaçar seu interlocutor com a possibilidade de, a qualquer momento, transformar-se num missionário furioso
- e saber ouvir é fundamental, numa proporção de, digamos, três perguntas realmente interessadas sobre o outro, para cada minuto de conversa sobre si mesmo
- manter sua vida privada, privada, o que pode parecer óbvio, mas não é, algumas pessoas insistem em compartilhar suas preferências e hábitos mais íntimos, incluindo nessa longa lista de coisas para fazer apenas entre quatro paredes, singelezas, como coçar-se e arrotar, só para dar dois exemplos banais
- evitar compartilhar com os vizinhos seus gostos musicais também é bom preceito, mas compreender que existem festas para as quais não somos convidados e elas podem acontecer bem do lado da nossa janela também é…
- exercitar o olhar direto, amistoso, ao cruzar com outros seres humanos, ousar um cumprimento: bom dia, boa tarde, boa noite! Ser gentil não é obrigação apenas dos políticos…
- entender que a rua, o bairro, a cidade não são exatamente “seus”, são de todos, agora, o seu cachorro, ele é só seu… (isso, aliás, vale para todo o seu lixo e para o seu carro quando ele está parado na frente da garagem do outro ou em um lugar proibido, por exemplo)
- agradecer, sempre e pedir desculpas, quando for o caso, o outro nem ligou? O ser cordial sabe que a maior parte das vezes em que somos de fato cordiais não é por causa do outro, é para alimentar uma sensação gostosa de que afinal estamos longe das selvas…
Tudo isso porque, você sabe, não basta escolher o prefeito e o vereador, você, e cada um de nós, precisa começar já a escolher o tipo de cidadão que gostaria de ser."