(Seu "Coisa" é a fantasia do Daniel, lá em cima de bigode e óculos escuros, com sua turma no Carnaval do Rio este ano)
O texto abaixo é de Francicarlos Diniz, Revista Língua Portuguesa 12/2006 e pode servir de esclarecimento para amigos portugueses ou de outros países de mesma língua que a nossa, pois o substantivo "COISA" assumiu tantos valores que cabe em quase todas as situações do cotidiano brasileiro.
A palavra "coisa" é um bombril do idioma. Tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma ideia. Coisas do português.
A natureza das coisas gramaticalmente, 'coisa' pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo: o Houaiss registra a forma 'coisiificar'. E no Nordeste há 'coisar': "Ô, seu coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar?"
Coisar, em Portugal, equivale ao ato sexual, lembra Josué Machado. Já as 'coisas' nordestinas são sinônimas dos órgãos genitais, registra o Aurélio. "E deixava-se possuir pelo amante, que lhe beijava os pés, as coisas, os seios" (Riacho Doce, José Lins do Rego). Na Paraíba e em Pernambuco, 'coisa' também é cigarro de maconha. Em Olinda, o bloco carnavalesco "Segura a coisa", tem um baseado como símbolo em seu estandarte. Alceu Valença canta: "Segura a coisa com muito cuidado/Que eu chego já".(...)
Na literatura, a 'coisa' é coisa antiga. Antiga, mas modernista. Oswald de Andrade escreveu a crônica O Coisa em 1943. A Coisa é título de romance de Stephen King. Simone de Beauvoir escreveu A Força das Coisas, e Michel Foucault, As Palavras e as Coisas.
Em Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de trem. Menos o trem, que lá é chamado de 'a coisa'. A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a coisa!".
Mas que coisa!?!
Polivalente, 'coisa' é uma palavra-objeto que encontra as mais diversas serventias no cotidiano, da política à música popular, das drogas ao sexo.
Devido Lugar
"Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça (...)", a garota de Ipanema era coisa de fechar o Rio de Janeiro. "Mas se ela voltar/Que coisa linda/Que coisa louca." Coisas de Jobim e de Vinícius, que sabiam das coisas.
Sampa também tem dessas coisas (coisa de louco!), seja quando canta "Alguma coisa acontece no meu coração", de Caetano Veloso, ou quando vê o Show de Calouros do Silvio Santos (que é coisa nossa).
Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa ruim é o capeta. Coisa boa é a Juliana Paes.
Nunca vi coisa assim! Coisa de cinema! A Coisa virou nome de filme de Hollywood, que tinha o seu Coisa no recente Quarteto Fantástico. Extraído dos quadrinhos, na Tv o personagem ganhou também desenho animado, nos anos 70. E no programa Casseta e Planeta, Urgente!, Marcelo Madureira faz o personagem "Coisinha de Jesus".
Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, 'coisa nenhuma' vira coisíssima". Mas a "coisa" tem história na MPB.
No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré ("Prepare seu coração/pras coisas que eu vou contar"), e A Banda, de Chico Buarque ("Pra ver a banda passar/cantando coisas de amor")(...)
Cheio das Coisas
As mesmas coisas, Coisa bonita, Coisas do coração, Coisas que não se esquece, Diga-me coisas bonitas.
Tem coisa que a gente não tira do coração. Todas essas coisas são títulos de canções intrepretadas por Roberto Carlos, o "rei" das coisas. Como ele, uma geração da MPB era preocupada com as coias. Para Maria Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade (afinal, "são tantas coisinhas miúdas"). Já para Beth Carvalho, é de carinho e intensidade ("Ô Coisinha tão bonitinha do pai"). Todas as Coisas e Eu é título de CD de Gal. "Esse papo já tá qualquer coisa . . . Já qualquer coisa doida dentro mexe." Essa coisa doida é uma citação da música Qualquer Coisa, de Caetano, que canta também: "Alguma coisa está fora de ordem."
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Coisa à Toa
Se você aceita qualquer coisa, logo se torna uma coisa qualquer, um coisa-à-toa. Numa crítica feroz a esse estado de coisas, no poema Eu, Etiqueta, Drummond radicaliza: "Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente." E, no verso do poeta, 'coisa' vira 'cousa'.
Se as pessoas foram feitas para ser amadas e as coisas, para ser usadas, por que então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.
Mas, "deixemos de coisa, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida", cantarola Fagner em Canteiros, baseado no poema Marcha, de Cecília Meireles, uma coisa linda. Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: "amarás a Deus sobre todas as coisas". Entendeu o espírito da coisa?
Se não entendeu, desculpe qualquer coisa.