.....................................................................................................................................................................Porque não só vives no mundo, mas o mundo vive em ti. .....................................................................................................

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Solidão-não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.

(Orquídea oncídea - foto minha - hoje no Orquidário Binot)


Final de semana para muitas pessoas é sinônimo de solidão e tristeza, mas a filosofia de Rubem Alves e grandes pensadores da humanidade revelam o contrário, pode ser muito útil e salutar, principalmente se observar a natureza e ouvi-la, senti-la em todos os sentidos.


"A noite chegou, o trabalho acabou, é hora de voltar para casa. Lar, doce lar? Mas a casa está escura, a televisão apagada e tudo é silêncio. Ninguém para abrir a porta, ninguém à espera. Você está só. Vem a tristeza da solidão… O que mais você deseja é não estar em solidão…

...

Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim:
“Por muito tempo achei que a ausência é falta.

E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.!“

Nietzsche também tinha a solidão como sua companheira. Sozinho, doente, tinha enxaquecas terríveis que duravam três dias e o deixavam cego. Ele tirava suas alegrias de longas caminhadas pelas montanhas, da música e de uns poucos livros que ele amava. Eis aí três companheiras maravilhosas!

Vejo, frequentemente, pessoas que caminham por razões da saúde. Incapazes de caminhar sozinhas, vão aos pares, aos bandos. E vão falando, falando, sem ver o mundo maravilhoso que as cerca. Falam porque não suportariam caminhar sozinhas. E, por isso mesmo, perdem a maior alegria das caminhadas, que é a alegria de estar em comunhão com a natureza. Elas não vêem as árvores, nem as flores, nem as nuvens e nem sentem o vento. Que troca infeliz! Trocam as vozes do silêncio pelo falatório vulgar. Se estivessem a sós com a natureza, em silêncio, sua solidão tornaria possível que elas ouvissem o que a natureza tem a dizer.

O estar juntos não quer dizer comunhão. O estar juntos, frequentemente, é uma forma terrível de solidão, um artifício para evitar o contato conosco mesmos. Sartre chegou ao ponto de dizer que “o inferno é o outro.“ Sobre isso, quem sabe, conversaremos outro dia… Mas, voltando a Nietzsche, eis o que ele escreveu sobre a sua solidão:
“Ó solidão! Solidão, meu lar!… Tua voz – ela me fala com ternura e felicidade! Não discutimos, não queixamos e muitas vezes caminhamos juntos através de portas abertas. Pois onde quer que estás, ali as coisas são abertas e luminosas. E até mesmo as horas caminham com pés saltitantes.

Ali as palavras e os tempos, poemas de todo o ser se abrem diante de mim. Ali todo ser deseja transformar-se em palavra, e toda mudança pede para aprender de mim a falar.“

E o Vinícius? Você se lembra do seu poema O operário em construção? Vivia o operário em meio a muita gente, trabalhando, falando. E enquanto ele trabalhava e falava ele nada via, nada compreendia. Mas aconteceu que, “certo dia, à mesa, ao cortar o pão, o operário foi tomado de uma súbita emoção ao constatar assombrado que tudo naquela casa – garrafa, prato, facão – era ele que os fazia, ele, um humilde operário, um operário em construção (…) Ah! Homens de pensamento, não sabereis nunca o quando aquele humilde operário soube naquele momento! Naquela casa vazia que ele mesmo levantara, um mundo novo nascia de que nem sequer suspeitava. O operário emocionado olhou sua própria mão, sua rude mão de operário, e olhando bem para ela teve um segundo a impressão de que não havia no mundo coisa que fosse mais bela. Foi dentro da compreensão desse instante solitário que, tal sua construção, cresceu também o operário. (…) E o operário adquiriu uma nova dimensão: a dimensão da poesia.“

Rainer Maria Rilke, um dos poetas mais solitários e densos que conheço, disse o seguinte: “As obras de arte são de uma solidão infinita.“ É na solidão que elas são geradas. Foi na casa vazia, num momento solitário, que o operário viu o mundo pela primeira vez e se transformou em poeta.
E me lembro também de Cecília Meireles, tão lindamente descrita por Drummond:
“…Não me parecia criatura inquestionavelmente real; e por mais que aferisse os traços positivos de sua presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me a impressão de que ela não estava onde nós a víamos… Distância, exílio e viagem transpareciam no seu sorriso benevolente? Por onde erraria a verdadeira Cecília…“
Sim, lá estava ela delicadamente entre os outros, participando de um jogo de relações gregárias que a delicadeza a obrigava a jogar. Mas a verdadeira Cecília estava longe, muito longe, num lugar onde ela estava irremediavelmente sozinha.

O primeiro filósofo que li, o dinamarquês Soeren Kiekeggard, um solitário que me faz companhia até hoje, observou que o início da infelicidade humana se encontra na comparação. Experimentei isso em minha própria carne. Foi quando eu, menino caipira de uma cidadezinha do interior de Minas, me mudei para o Rio de Janeiro, que conheci a infelicidade. Comparei-me com eles: cariocas, espertos, bem falantes, ricos. Eu diferente, sotaque ridículo, gaguejando de vergonha, pobre: entre eles eu não passava de um patinho feio que os outros se compraziam em bicar. Nunca fui convidado a ir à casa de qualquer um deles. Nunca convidei nenhum deles a ir à minha casa. Eu não me atreveria. Conheci, então, a solidão. A solidão de ser diferente. E sofri muito. E nem sequer me atrevi a compartilhar com meus pais esse meu sofrimento. Seria inútil. Eles não compreenderiam. E mesmo que compreendessem, eles nada podiam fazer. Assim, tive de sofrer a minha solidão duas vezes sozinho. Mas foi nela que se formou aquele que sou hoje. As caminhadas pelo deserto me fizeram forte. Aprendi a cuidar de mim mesmo. E aprendi a buscar as coisas que, para mim, solitário, faziam sentido. Como, por exemplo, a música clássica, a beleza que torna alegre a minha solidão…

A sua infelicidade com a solidão: não se deriva ela, em parte, das comparações? Você compara a cena de você, só, na casa vazia, com a cena (fantasiada ) dos outros, em celebrações cheias de risos… Essa comparação é destrutiva porque nasce da inveja. Sofra a dor real da solidão porque a solidão dói. Dói uma dor da qual pode nascer a beleza. Mas não sofra a dor da comparação. Ela não é verdadeira.


(A Solidão Amiga - Rubem Alves)







27 comentários:

Mila Olive disse...

Grandioso!
Minha solidão sempre me trouxe sonhos. Muitas vezes, o meu desânimo convida-me ao descanso. Fechar os olhos e cochilar. A solidão é o ponto de partida para meus devaneios e inspirações. Com ela aprendo. É através dela, mesmo doendo, que encontro-me muitas vezes... Meu Eu bonito... Meu Eu não tão bonito assim.

Para mim, a solidão é uma forma de reencontro. Um convite à conectar-me com as memórias, daqui, dali, do além. O tumulto me afasta de mim. Prega-me peças. Essas citadas no texto, da inveja ou da simples vontade de querer ser um pouco como o outro. Mas nem por isso dispenso uma boa companhia humana, porque ela também me acrescenta.

Feliz aquele que se permite momentos de solidão e faz deles a oportunidade para exercitar seu lado criativo, mesmo sofrendo de uma ausência ilusória.

Feliz aquele que é capaz de se aceitar integralmente e simplesmente Ser.

Feliz aquele que chora e oferece luz às próprias lágrimas para que delas surjam mil arco-íris.

Beijos de uma Avalon que brilhou num dia lindo de sol.

Nilce disse...

Também sou amante da solidão, Beth.
Se for para caminhar prefiro estar só comigo e com o que vejo em volta.
Dirigir e ouvir música então...
Minha filha quando entra no quarto e me vê lendo, só dá meia volta, mas diz alto: "meia volta, vou ver, outra coisa...".
Fico fula porque já me distraiu.
Mas há muitos que se sentem realmente solitários e têm medo da solidão.

Tenha um excelente final de semana.

Bjs no coração!

Nilce

Luciana disse...

Beth, acredito que é bem isso de dor da comparacão, o que infelizmente acontece muito, as pessoas não vivem pra si, vivem baseadas na vida dos outros, uma pena.
Eu amo meus momentos de solidão, até preciso e chego até programar meus momentos de solidão, que são sempre muito produtivos. Este final de semana vai ser de festa, nada de solidão, o que também é bom.
Amei o post, muito bonito, lindas citacões. Vou voltar pra reler mais uma vez.

Um ótimo final de semana pra você.

Beijo

Luciana disse...

Beth, acredito que é bem isso de dor da comparacão, o que infelizmente acontece muito, as pessoas não vivem pra si, vivem baseadas na vida dos outros, uma pena.
Eu amo meus momentos de solidão, até preciso e chego até programar meus momentos de solidão, que são sempre muito produtivos. Este final de semana vai ser de festa, nada de solidão, o que também é bom.
Amei o post, muito bonito, lindas citacões. Vou voltar pra reler mais uma vez.

Um ótimo final de semana pra você.

Beijo

lolipop disse...

Bom dia Beth!
Sabe, começo a ficar fã desse autor que vc tanto aprecia, Rubem Alves. Não conheço, mas fiquei com uma imensa vontade de explorar.
Eu costumo dizer que nos faz falta aquela nuance da língua Inglesa que permite distinguir..."alone" de "lonely". Eu prezo muito a solidão, e não prescindo dela. Mas não me considero uma pessoa solitária. Acho apenas que há momentos em que necessitamos de estar a sós com os nossos próprios pensamentos. Gosto de caminhar sózinha,seja imersa na natureza ou no ruído duma grande cidade.
Uma companhia leva-nos sempre para outro lado. Impede-nos de ouvir os murmurios das flores, mas também de construir histórias a partir dum rosto que vislumbramos no metro ou num café.
Nietzsche foi numa dada altura da sua vida, grande admirador de Wagner...uma boa proposta para ouvir...de preferência "alone" sem se sentir "lonely".
Ternuras
Bom Fim de Semana!

Unknown disse...

Oláaaa,
Adoreiiiii esse post que vc escreveu hoje!!!Gosto muito do Rubens Alves também. Li bastante coisas dele quando estava tentando cursar Letras. A parte que diz "O estar juntos não quer dizer comunhão" foi a parte que mais me chamou a atenção. Sei na vida prática o que significa isso!!!Obrigada pelo post maravilhoosoooo!!!
Bjs

Misturação - Ana Karla disse...

Magnífico!

A comparação é invejosa e a solidão que dói pode trazer beleza.

Beth, primeira vez que leio esse texto. No início achei que fosse você.
Li um livro de Nietzsche, que achei muito interessante, pois ele era pura solidão. Gostava da solidão.

"A solidão é fera
a solidão devora,
é amiga das horas, prima, irmã do tempo.
E faz nossos relógios caminharem lentos.
Causando um descompasso no meu coração..."

E que imagem linda da Orquídea oncídea. Acho que nunca vi uma ao vivo. rs

Bom dia

Xeros

Caca disse...

Olá, Beth! O Rubem Alves na minha concepção, já o elevei de categoria: de escritor foi promovido a guru. rsrs. Esse cara é bom demais da conta! Já leu o seu O INFINITO NA PALMA DA MÃO.(?) Imperdível. Um grande abraço. Paz e bem.

chica disse...

Lindo texto de Rubens! Linda orquidea!beijos, tudo de bom,chica

Mimo Chic disse...

Fantastico, lindo demais, realmente estar so, acredito que e muito bom, para nos curtirmos nos conhecermos!
Amo chegar em casa, ela e um sinônimo de conforto e carinho!
Bela postagem, bjs
Lulu & sol

Zélia Guardiano disse...

Post maravilhoso, minha querida Beth!
Eu, que vivo sozinha , por opção, apesar de ter escolhido esta forma, de vez em quando tenho um grilo...rs...
Então, esta leitura deu-me um alerta: há como despistar a solidão, quando ela aponta lá na porta da frente.
Encarar o estar só, de uma outra maneira...
Lição passada, lição aprendida, amiga!
Muito grata!
Abraço bem paertado para você...

orvalho do ceu disse...

Oi, minha linda
Que maravilha de texto para todos nós!!! Todos temos momentos de desânimo... tenho visto...
Que bênção é poder sentir o cheiro do mar... a terra molhadda de chuva... escutar o canto dos pássaros... ver um visual lindo de um por do sol, de uma mar tranquilo... de uma cascata branquinha e serena como um véu de noiva...
Ah! se fosse descrever seria pouco o espaço,certamente!!!
Obrigada, querida por alegrar o nosso fim de semana...
Bjm suave e fraterno

Kelly Kobor Dias disse...

Já vivi longos períodos de solidão, e se não enxergarmos com outros olhos ela nos sufoca. beijos

Celia disse...

Lindo post. Concordo inteiramente. Solidao é um estado de espirito. Muitas vezes estamos arrodiadas de pessoas e nos sentimos solitarias. Nao é por estarmos sos, que samos solitarias. Tem tanta coisa ao redor pra apreciar, pra sentir, pra ver. Bom fim de semana. Bj

Unknown disse...

" A solidão é o preço que temos de pagar por termos nascido neste período moderno, tão cheio de liberdade, de independência e do nosso próprio egoísmo ."

Beijo e bom fim de semana

pensandoemfamilia disse...

Oi querida

Gostei da sua reflexão, pois só no encontro solitário de si mesmo podemos evoluir e que vem a cura para muitos males da alma.
Na terapia, nós terapeutas, apenas conduzimos aqueles que por si só não consegue trilhar o caminho da descobertas dos seus próprios mistérios e sofrem.
bjs,

Astrid Annabelle disse...

Rubem Alves! Maravilha Beth!
Diz tanto para tantos...
Eu gosto de ser minha melhor companhia. Gosto muito. E não sinto solidão nenhuma!
Belíssimo post amiga!
Vou reler e até levar comigo!
Tenha uma final de semana excelente querida!
Beijos de Ubasol.
Astrid Annabelle

Maria Célia disse...

Oi Beth
A orquídea é um sonho. Solidão nem sempre é ruim, muitas vezes ela se faz necessária.
Bjos e ótimo domingo.

Dani dutch disse...

WEb mãe, tudo bem?
Fim de semana pra mim, é sinônimo de um tmepinho a mais, que posso passar nos meus blogs queridos, fazer aquela faxininha boa na casa, cozinhar um pouco com calma.
bjuss e bom fim de semana

Maria Rodrigues disse...

Que texto maravilhoso, por vezes sabe bem estarmos um pouquinho sós, alguns momentos só para nós, mas não em solidão.
Como dizia Victor Hugo "Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão".
Excelente bloh, vou acompanhar com imenso prazer.
Beijinhos
Maria

Maria Santos disse...

Olá Beth normalmente nos fins de semana fico sozinha, mas gosto muito, silencio, paz, quietude, posso ouvir meus pensamentos como se eles falassem comigo.Gosto de estar sozinha acho que é um crescimento de enorme valor e aproveito para ficar com minhas plantas e flores.
bjs

Irene Moreira disse...

Beth

Gostei muito do seu post.

A solidão pode ser vista de diversas formas.
Momentos de solidão nos fazem bem, nos ajudam a refletir, a olhar para dentro de nós mesmos. Todo ser humano precisa de um tempo só para si.
Falar na solidão de amigos, de família, solidão mesmo de tudo , de vida é muito triste de se saber, mas não paro para pensar nesses que se entragam e acabam ficando doentes.

Elevem o seu espírito, pensem sempre em coisas boas e se algo não está bem alguma luz aparecerá a tua frente. Não tem com quem conversar? Olha para o espelho e conversa com vc mesmo? Conversa com Deus com sua força interior.

Para mim não existe solidão e como poderia se tenho vocês todos para me fazerem companhia?

Adorei seu texto no Tantos Caminhos me fez lembrar de meus pais portugueses.

Beijos e uma linda semana

ML disse...

Sabe de uma coisa, Beth, eu adoro ficar sozinha, ter tempo pra falta de tempo, mas, de fato, no final de semana muda tudo...

bjnhs

PS: agora tem coluna de utilidade pública no Gaia (gente que se perdeu?)? Noblíssimo!

Manuela Freitas disse...

Olá querida Beth,
Gostei muito do texto e das referências feitas. A dita solidão para mim não é algo que me pese muito. Tenho necessidade de ter momentos de estar só, que para mim é estar comigo e não é ter a cabeça vazia. Quem tem a cabeça vazia é que precisa de ruído ou então a solidão é consequência de uma grande perda ou abandono.
Agora estar a sós consigo é que permite, ao escritor, ao pintor, ao compositor conseguir transcender-se, criar algo, difícil fazê-lo acompanhado, não é?
Mas depois é necessário também estar com os outros e então sair de nós mesmos para os outros.
Muitos beijinhos e espero que tenhas passado um bom fim de semana, por cá chove muito, com frio e vento!...
Manú

Lúcia Soares disse...

Lindo, lindo. Agora descobri Rubem Alves, de tanto ler você. Ele é muito bom, pensa como a maioria, mas sabe escrever. rsrrsrs
Tenho um livro dele em casa, que nem sei como apareceu, não lembro se o ganhei, fato é que só o abri depois de lê-lo por aqui.
Chama-se "Se eu pudese viver minha vida novamente...".
Bj

Lu Souza Brito disse...

Bom dia Beth,

Nossa, que texto bonito e importante. Eu ja tive fases de não saber ficar sozinha, para mim era tudo solidão. Hoje acho que nao me conhecia e tinha mesmo medo do silencio, do aquietar a lingua e ouvir apenas o que vem da mente do coração.
Fim de semana para mim é só alegria. Dia de descanso, mas também de passeio, de ver amigos, de ouvir música, mas sempre reservo um tempo só para mim...em que fico quietinha lendo , ouvindo uma música tranquila e me questionando algumas coisas. É um ótimo exercício.

Bjokas!

Márcia Cobar disse...

Amei o texto, Beth!
Obrigada, caiu como uma luva... Solidão por comparação realmente só traz infelicidade.
Abs
Márcia