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quinta-feira, 13 de junho de 2013

Vou de Táxi - VI

"Mas a gente não escuta só as palavras: a gente ouve também os sinais."
Martha Medeiros

Nestes últimos dias tenho utilizado bastante o serviço de táxis, e como sempre, puxo conversa com o taxista e tanta coisa interessante tenho ouvido, tantas trocas de ideias, conhecendo cada vez mais esta classe que, algumas vezes se apresenta com péssimos profissionais, interesseiros ou sem cuidados ao volante, escalafobéticos ou cafonas com penduricalhos pendurados, alguns caladões, outros loucos para um bate papo, típica cara urbana de uma cidade paradoxal, caótica e instigante como o Rio de Janeiro. Porém, em contrapartida, encontro motoristas que me surpreendem pela educação e postura ou a história de vida peculiar que apresentam. Uma dessas histórias ouvi esta semana de um motorista chamado Silvio, que trabalha na Candelária, centro nervoso do Rio. Um homem jovem e com uma bagagem de vida interessante e admirável.
E foi assim, resumidamente:

- Olha, eu vou contar essa história lá no meu blog, hein!
- Pode contar, dona, é a minha história, a minha verdade.

Para variar, o assunto começou por causa do trânsito ruim que eu já havia pego até ali e que ele, grande conhecedor do tráfego complicado da cidade, me garantiu que indo pelo Aterro do Flamengo não pegaríamos engarrafamentos até Botafogo. E lá fomos nós, batendo papo.

- Eu já fiz de tudo nesta vida, antes de trabalhar aqui no táxi, dona. Fui faxineiro, office boy, quitandeiro, trabalhei em contas a pagar de uma  empresa e aí, dei um basta em tudo, pedi minhas contas ao chefe, não disse pra onde ia e fui.  Liguei pra minha mulher e mandei ela arrumar as malas.  Desesperada, resmungou que estava com a máquina cheia de roupa molhada e não podia sair assim. Eu lhe disse que se ela não estivesse lá embaixo na hora que eu chegasse que iria sozinho e ela ficaria.

- Mas, para onde você ia?
- Minha mulher arrumou as malas, desceu despenteada, arrumando a roupa, entrou no carro e eu disse a ela:
Vamos pra Paraíba!
- Mas, como assim, você é da Paraíba?
- Não, dona, não sou e nem tenho ninguém por lá!  Mas, eu surtei, precisava parar com aquela vida igual todos os dias, não aguentava mais ficar até altas horas num escritório, fechando contas e mais contas.
Fui pra Paraíba porque um amigo meu, caminhoneiro e paraibano, vivia dizendo que lá era muito bom e bonito e me orientou todo o caminho.  Então, fomos, eu e a mulher, passamos uns dois meses lá em cima, rodando desde a Paraíba a outras cidades daquelas bandas.  Foi bom demais! Quando voltamos, decidi trabalhar no táxi e estou aqui até hoje e satisfeito, não me estresso com nada porque se estressar, largo tudo amanhã mesmo e procuro outra coisa pra fazer.

- Eu acredito, claro, você parece ser mesmo decidido no que faz.
- Bem, a gente faz isso quando tem um grande amor e sabe que pode contar com ele pro que der e vier e minha mulher é assim, sempre junto comigo.

- Que legal, adoro saber de casais que se entendem e são parceiros na vida para as horas boas e ruins!

- Mas, a senhora sabe que eu lutei por isto! Tive que abrir mão de minha família, meu pai, principalmente, porque ele era um militar, daqueles que mandava e desmandava dentro de casa e, eu, branquinho como a senhora tá vendo, me apaixonei por uma negra.  Minha mulher é bem pretinha e eu amo aquela danada!

Eu juro, minha gente, é a mais pura verdade o que lhes conto aqui, se quiserem conferir vão até a Candelária e procurem o motorista Silvio que me contou tudo isso, entusiasmado com sua história e seu amor.

- Meu pai disse pra mim: Como ousa me desafiar, dentro da minha própria casa, e querer se casar com uma negrinha!  Ele era racista, dona, muito racista mesmo.  E eu disse a ele: Sinto muito meu pai, mas sem querer lhe ofender, não vou desistir da mulher que eu quero e foi aí que abri mão de tudo e fui morar com ela na favela. Sofremos o pão que o diabo amassou, mas nunca voltei lá pra pedir nada a ele. Toquei minha vida com minha nega e somos felizes até hoje.

- Maravilhosa história Silvio, você é mesmo um homem de fibra.  E, hoje, ele já entendeu o amor de vocês?

- Ah, dona, ele já morreu!  Morreu e nunca foi lá nos visitar e nem quis saber mais de mim, seu filho único.
- Poxa, que coração duro do seu paí, hein?!
- Mas, acontece que ele deixou bens para mim. Quando o advogado me chamou para conversar e mostrar o que tinha ficado em meu nome, ouvi tudinho enquanto pensava: eram três apartamentos, um na Tijuca, outro na zona sul e um outro, onde ele gostava de passar férias em São Lourenço-MG.
Eu disse ao advogado que venderíamos os dois apartamentos do Rio e que o dinheiro seria doado à uma instituição que meu próprio pai ajudava fazia tempos. Dei todo o valor dos apartamentos para a instituição e ficamos apenas com o de São Lourenço que vez ou outra, eu e minha nega vamos pra lá, relaxar.

- Incrível seu desprendimento!  Mas, não quis ficar com nada?

E aí a resposta maravilhosa que veio e que nunca mais esquecerei, pois nela está contida toda a essência da vida e de um grande amor:

- Mas, eu já tinha tudo o que eu queria. Não precisava de nada, dona!

E esta foi mais uma história em dia de caos urbano nesta cidade linda, louca, pulsante de vidas e suas tantas idiossincrasias.



P.S.:
Silvio tem 45 anos, um filho de 25, formado, casado e com um filhinho.
Tem uma filha adotiva de 23 anos e que se formará até o final do ano em Medicina.
Tem um quarto da casa com mais de 400 carrinhos miniaturas, um hobby que ele adora e não deixa criança mexer, tem uma plaquinha na porta avisando para não entrar sem permissão.






23 comentários:

Bia Jubiart disse...

Beth, fiquei emocionada... Uma bela história de amor e de vida, fiquei com pena da pobreza de espírito do seu pai, passou a vida toda sem desfrutar uma família encantadora!

Continue andando de táxi...

Bjo no coração!

chica disse...

Que delícia de leitura! Como é bom dar papo às pessoas que passam pelas nossas vidas. Podemos nos encantar e aprender! Lindo e que homem legal! Gostei! beijos,chica

Wanderley Elian Lima disse...

Olá Beth
Que bela estória, aí vemos que nem tudo está perdido. Eu também adoro bater papo com taxista.
Bjux

Unknown disse...

Histórias de vida que nos ensinam a viver.Parabéns pelo texto,*****.

Beijo.

Lúcia Soares disse...

Beth, que coisa boa ouvir histórias assim! Também acho que é tão mais simples ser feliz, sem amarras, fazendo o que queremos, desde que de acordo com nosso coração e baseados na disciplina, na responsabilidade. Eis aí um homem totalmente desprendido, que foi agraciado com o melhor da vida, que é um amor pelo qual tudo vale a pena!
Gostaria de conhecer esse Sílvio, viu? Tomara que vc ainda o encontre muito por aí.
Beijo!

Luma Rosa disse...

Oi, Beth!!
Entendo que Silvio sentiu vontade de vencer na vida sozinho sem a ajuda do pai. Talvez seja por questão moral que não querer os bens para si e achei super válida a atitude de passar o valor dos bens para a instituição que o pai ajudou a vida toda. O preconceito do pai, não combina com a bondade do ato de caridade que ele fez enquanto vivia. Vai entender o ser humano!
Bom restinho de semana!!
Beijus,

JAN disse...

Olá Beth!
Quantas histórias interessantes por aí.
"tenho tudo que preciso"...que coisa boa de se ouvir;-))))

Abração
Jan

JAN disse...

Olá Beth!
Quantas histórias interessantes por aí.
"tenho tudo que preciso"...que coisa boa de se ouvir;-))))

Abração
Jan

Maria Célia disse...

Oi Bety
Puro desprendimento deste taxista, abrir mão de apartamentos, sendo um na zona sul.
Digno de louvor.
Beijo

Toninho disse...

Esta foi sua melhor viagem de taxi pela bela cidade maravilhosa.
Uma historia de amor com todas as graças.
O desprendimento dele lhe faz feliz e muitos nao entendem esta tal felicidade.
Gostei amiga.
Um abração carinhoso.
Bom fim de semana.
Bjo.

Teredecorando disse...

Que história bacana! Abrir mão de alguns bens é de tirar o chapéu para uma pessoa simples. Isso que é atitude. Ajudar o próximo em primeiro lugar.
Um cara e tanto com seus valores e dignidade.
Ah!!! Ele deveria servir de exemplo para termos um mundo melhor e mais humano.
Beijos mil

Priscila Ferreira disse...

Dinda, sempre me divirto com suas histórias de táxi!
grande homem né? ah se todos fossem assim!!
beijos

Calu Barros disse...

Beth,
que contentamento saber desta história maravilhosa deste ser humano ímpar, corajoso e sábio.Um exemplo verdadeiro de integridade e dedicação aos seus sonhos.
Realmente um dádiva esbarrar-se, nos dias de hoje, com uma pessoa que nos renova a crença nas histórias de amor.
Obrigada por compartilhá-la.
Uma linda noite aí.
Bjkas,
Calu

Regina Rozenbaum disse...

E a gente aprende (tomara!)...Tenho tudo que preciso...Sabe de uma coisa Bethita? O seu "vou de táxi" é delícia de se pegar carona...e a gente nem percebe a corrida!
Beijuuss

Beatriz disse...

Que legal Beth!
Belas estórias que, quando contadas, nos emocionam!
E eu, de vez em quando, vou a São Lourenço, no sul de Minas, para relaxar, pois minha mãe escolheu lá para viver!

Beijinhos e um lindo fim de semana!!!

Bia
www.biaviagemambiental.blogspot.com

Michelle Siqueira disse...

Sou bem dada a estas conversas, Beth. A ouvir as que me contam, como você fez aqui, e a provocar algumas... Embora receba muitas cotoveladas de quem vai comigo. Em Salvador, conheci um taxista que tinha muito pra contar e lamentava os altos índices de desemprego da capital baiana, mas se dizia satisfeito com trabalhar "para os paulistas" (a maioria da clientela dele por lá). Era formado e pós-graduado pela Mackenzie.

Salvador tem uma estratificação social que salta aos olhos. Em 2006 tinha o maior índice de desemprego do Brasil.

Bjs,

Michelle

Misturação - Ana Karla disse...

Poxa Beth, que história!
Emocionante e boa para refletir.
Bom final de semana
Xeros

Heloísa Sérvulo da Cunha disse...

Beth,
Que história incrível, de amor e desprendimento.
Pena que faltou a reconciliação com o pai.
Beijo.

Anne Lieri disse...

Uau!Que história,Beth!Daria um super romance!Muito interessante essas conversas com os taxistas,sempre rendem bons assuntos,com certeza!bjs,

Maria Izabel Viegas disse...

Betinha,
mas é o que eu sempre falo: Nós atraímos nossos semelhantes. É Física, é Lei de atração,.
Lendo entretida esta mais que gostosa história fiquei pensando no quanto você é assim, corajosa e destemida. E com olhos que enxergam a beleza onde existe. E que sabe dizer um Basta ao que lhe faz mal.
A entrevistadora Beth Lilás e o taxista são idênticos no jeito de ser assim: Vem Vamos, Sem Lenço e Sem Documento. Mas vamos juntos comnosso amor. Vamos com nossa ideologia maior: Ser feliz na Vida!
Beijos, minha querida carioca.

Gina disse...

Beth,
Que oportunidade perdida desse pai de reconciliar-se ainda nessa existência! Mas teve seus méritos...
Adorei a história de vida desse rapaz!
Bom final de semana!

Mariana Chatelain disse...

que história incrível! adorei! coitado desse pai, perder o oi de um filho tao legal!
Beth, tem uma campainha tocando no seu blog, é normal? faz "pin, pin, pin"...

Elisa T. Campos disse...

Nossa Beth.

Inacreditável,um exemplo de amor incondicional e despreendimento total.

Nem tudo nesta vida está perdido.

Bjs.