Experimentem ler em voz alta, dando os tempos de vírgulas e parágrafos, sentirão melhor as palavras.
Un pays ordinaire de légendesLibération (Paris), 18/4/00 | ||
Há uma pergunta clássica que não só os brasileiros vivem se fazendo, mas também os estrangeiros: que país é esse no qual convivem tantas contradições e que parece se divertir em ser irredutível às classificações e rebelde às previsões? Um francês, Roger Bastide, chamou-o de “país dos contrastes”, mas é possível que seja mais do que isso, que seja o país da ambigüidade.Vai ver que não foi por acaso que “inventamos” o mulato, nosso jeitinho contra a polarização, síntese literal e metafórica do homem brasileiro. Para o antropólogo Roberto DaMatta, o mulato é a ilustração da tese de que o Brasil, ao contrário dos EUA e da África do Sul, gosta do intermediário, do meio-termo, do ambivalente e ambíguo. Os jornalistas estrangeiros nos perguntam muito: “o Brasil é cordial ou violento? Se é cordial, como se explica tanta violência? Se é violento, por que as pessoas têm tanta joie de vivre, como se pode observar andando pelas ruas?” A única certeza é que não se consegue entendê-lo com olhos maniqueístas ou mesmo cartesianos. O Brasil nunca é uma coisa ou outra, mas as duas. Não é isso ou aquilo, mas isso e aquilo. Complexo e meio imprevisível, ao mesmo tempo cordial e violento, generoso e mesquinho, honesto e corrupto, operoso e preguiçoso, egoísta e solidário, o povo brasileiro a toda hora desmente o que se diz dele, a favor ou contra. Em 1869, o Conde de Gobineau fez uma profecia. Cônsul da França no Rio, amigo e interlocutor do Imperador Pedro II, ele ficou mal impressionado com a nossa mistura de raças, cores e etnias, e garantiu que, como povo, o Brasil não duraria 200 anos. Quando há uns dois anos Bill Clinton esteve no Brasil, um de seus diplomatas se referiu à nossa “corrupção endêmica”. No dia seguinte, o presidente do Supremo Tribunal Federal, o presidente do Senado, uma diretora da escola-de-samba da Mangueira e todas as facções políticas do país se uniram numa onda de revolta patriótica que só cessou com um pedido de desculpas. Aí aconteceu o inverso: desmontada a arrogância imperial americana, passou-se da indignação ao carinho e o presidente americano foi coberto de afeto. Somos assim, cheios de altos e baixos: mudamos facilmente de humor e de opinião, passamos rapidamente de um extremo a outro. Dependendo da cotação de nossa auto-estima, ou somos os melhores ou somos os piores do mundo. Basta lembrar a última Copa do Mundo: o segundo lugar nos humilhou. Ou somos o primeiro ou não somos nada. Um dos explicadores de Brasil chegou a escrever, imaginem, que a tristeza é a nossa característica. “Numa terra radiosa vive um povo triste”, ele disse. Só é, se o observamos numa fila de hospital, espremido num ônibus, pingente de um trem, vendo a corrupção de sua elite, os escândalos. Mas experimente observá-lo numa festa coletiva, na alegria de uma comunhão de massa, num momento de celebração - no carnaval, ou numa festa de réveillon de Iemanjá. Diz-se também que o povo brasileiro é omisso, não cumpre suas obrigações cívicas. No dia-a-dia, de fato, nem sempre servimos de exemplo para a civilidade e a cidadania. Mas também vivemos num cotidiano iníquo de violência e miséria. Em compensação, foi esse mesmo povo que levou o país a tomar posição contra o nazi-fascismo na Segunda Guerra, que saiu às ruas para derrubar as ditaduras do Estado Novo e a dos militares, que fez campanha pela anistia, pela volta dos exilados, pela redemocratização e que sobretudo provocou o impeachment de um presidente corrupto no começo dos anos 90. E isso sem sangue e sem violência. Acho que o Brasil é um laboratório, no sentido de lugar ou espaço onde se fazem experiências em geral, boas ou más - um rico laboratório do ponto de vista racial, social e cultural. Ele é um laboratório de miscigenção, de multiculturalismo, de música, de cinema, de arquitetura e, claro, de futebol. É curioso como o país nasceu com essa sina. Não é só uma vocação que ele tem, mas que lhe atribuem. Os primeiros textos, as impressões iniciais dos viajantes foram sempre de êxtase e encantamento. Os europeus achavam que se estava experimentando aqui algo de extraordinário: aqui era o laboratório de um novo homem. Antes do descobrimento, antes da observação direta, a imaginação e a fantasia da velha Europa haviam povoado estas nossas terras com monstros e seres fantásticos, amazonas e animais descomunais. O primeiro choque foi o da normalidade: os descobridores se espantaram porque encontraram homens comuns e criaturas normais. 500 anos depois, o melhor é ainda deixar de lado os mitos de exaltação e os mitos de depreciação e admitir que nem sempre o país corresponde à imagem que se faz dele lá fora: às vezes é pior e às vezes, melhor. É um país comum, mas complexo. Para entender esse laboratório, o mais prudente é aceitar o conselho do grande maestro Tom Jobim, que dizia: “o Brasil não é um país para principiantes”. |
14 comentários:
Beth! Mtoooo obrigada pelas lindas palavras no meu post sobre o rim! Vc é sempre tão carinhosa e amável, não é atoa q tenho enorme carinho por vc e estou sempre t desejando coisas boas... Beijão e um lindo fim de semana
Chega a doer, mas é verdade
Uau! Texto maravilhoso e verdadeiro.
Li uma entrevista de um fotógrafo suíço que fez uma exposição em Zurique sobre o Brasil e ele disse: 'Brasil: ou voce ama ou voce odeia; não tem nada no meio e eu amo.'
Beijao!
p.s.: vou levar esse texto para mim, posso?
OLá web-mãe, passei pra desejar um excelente fim de semana.
Bjuss
Oi amiga querida!
Hoje sou a primeira! Texto esplêndido...apesar do Zuenir ser um daqueles que ganhou um ressarcimento do governo de acho, 1 milhão por causa da ditadura...coisa do Brasil...terra de contrastes, país de extremos, Belíndia, o Brasil tem muitos nomes, muitas explicações, muitas desculpas, temos pena de nós mesmos, temos culpa, somos vítimas...Peraí! Quando é que isso tudo vai dar lugar à AÇÃO????
Quem tem blog, que escreva, quem tem consciência que reclame com os meios de comunicação...é muito bonito esses textos e textos falando de como somos multirraciais, criativos, simpáticos, receptivos e coitadinhos que aceitam tudo de cabeça baixa...Está na hora de reagirmos, mandar cartas aos jornais, usar os meios, pacíficos, de que dispomos...não é só por direito, é por DEVER! Somos o 1% que pode transformar o país numa país decente...demra? Claro que vai demoara, mas se não começarmos logo, vai demorar mais ainda! Vamos, à luta!
Beijos amiga querida...ainda bem que vc está indo...
Ué, comentei aqui, não apareceu?? Buaaaaaaaa
Minha querida, hoje vou comentar geral, de todos os posts: seu blog está lindo, profundo e muito bacana e gostoso de ler. Beijos, Fê.
Grande texto de Zuenir.
Ele responde às suas questões.
Duvido que Zuenir apreciasse ter um Blair por perto...
Acredito que Lula é mais eficaz.
A dimensão e a credibilidade do Brasil,hoje,são imensas.
Passou de um país emergente para uma grande potência.
Claro que as desigualdades vão continuar,tal como nos States.
Mas é esse caldo de raças e culturas,cimentado no seu patriotismo,com visão alegre e prá frente que faz do Brasil uma referência.
Por vezes,creio que sou mal interpretado quando me refiro a Lula.Em minha opinião,Lula surpreendeu tudo e todos quando,com o seu jeito de menino sem berço,entendeu as prioridades e ultrapassou todos as previsões.
A partir daí,esqueceu-se esse grande feito,e passou a discutir-se fait-divers:a maneira de falar,o mau gosto para vestir,o número de cachaças que bebe,etc.
Antes dele,qual era a credibilidade do Brasil no Mundo(extra-futebol)?!
Um abraço.
Beth, disse tudo nesse texto, eu percebi isso na minha viagem ao Brasil, realmente acho que está faltando mais cultura, será que tem geito de mudar isso, difícil.
beijos
OI WEb-mãe, é incrivel, mas está impregnado por todos os cantos.
Nas escolas mesmo sem aprender nada, os estudantes são passados para os anos de classe seguintes, e isso vai virando uma bola de neve. Perdem o interesse em estudar e param por aí mesmo.
E todos nós sabemos que a mudança será a longo prazo, se começar agora por exemplo o reflexo será visto daqui uns 10 anos, mas o problema é que as vezes não vejo luz no fim do tunel.
bjus e bom domingo
E outro presidente francês de Gaulle - disse: "este não é um país sério".
Concordo com ele, Beth.
bjnhs e uma ótima semana.
Brasil: cordial, mas desonesto.
Gente fina, amigo até segunda ordem.
Difícil confiar - tem o governo que merece.
Não à toa mantem o "pueblo" na linha da ignorância.
Dand0-lhe "panes et circenses".
Isso aqui é uma bagunça, minha gente!
bjnhs sinceros, juro ;>)
GENTE, gostaria de acrescentar para complementar, este texto que recebi de uma amiga por email:
*Tema:_'Como vencer a pobreza e a desigualdade'_*
> *Por Clarice Zeitel Vianna Silva*
> *UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro - Rio de Janeiro
> - RJ*
> *
> *
> *'PÁTRIA MADRASTA VIL'
> Onde já se viu tanto excesso de falta? Abundância de
> inexistência. .. Exagero de escassez.... Contraditórios? ? Então
> aí está! O novo nome do nosso país! Não pode haver sinônimo
> melhor para BRASIL.
> Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de
> caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o
> exagero de escassez de responsabilidade.
> O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada - e
> friamente sistematizada - de contradições.
> Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil.', mas eu
> digo que não é gentil e, muito menos, mãe. Pela definição que eu
> conheço de MÃE, o Brasil está mais para madrasta vil.
> A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira'. Não me daria, por
> exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela
> formação básica.
> E mesmo há 200 anos atrás não me aboliria da escravidão se
> soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome.
> Porque a minha mãe não iria querer me enganar, iludir. Ela me
> daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do
> problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela
> sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la
> aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha,
> acorrentada pela minha voz-nada-ativa. A minha mãe sabe que eu
> só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por
> fim, igualdade. Uma segue a outra... Sem nenhuma contradição!
> É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais,
> revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social
> montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que
> transformem!
> A mudança que nada muda é só mais uma contradição. Os
> governantes (às vezes) dão uns peixinhos, mas não ensinam a
> pescar. E a educação libertadora entra aí. O povo está tão
> paralisado pela ignorância que não sabe a que tem direito. Não
> aprendeu o que é ser cidadão.
> Porém, ainda nos falta um fator fundamental para o alcance da
> igualdade: nossa participação efetiva; as mudanças dentro do
> corpo burocrático do Estado não modificam a estrutura. As
> classes média e alta - tão confortavelmente situadas na pirâmide
> social - terão que fazer mais do que reclamar (o que só serve
> mesmo para aliviar nossa culpa)... Mas estão elas preparadas
> para isso?
> Eu acredito profundamente que só uma revolução estrutural, feita
> de dentro pra fora e que não exclua nada nem ninguém de seus
> efeitos, possa acabar com a pobreza e desigualdade no Brasil.
Afinal, de que serve um governo que não administra? De que serve
> uma mãe que não afaga? E, finalmente, de que serve um Homem que
> não se posiciona?
> Talvez o sentido de nossa própria existência esteja ligado,
> justamente, a um posicionamento perante o mundo como um todo.
> Sem egoísmo. Cada um por todos.
> Algumas perguntas, quando auto-indagadas, se tornam
> elucidativas. Pergunte-se: quero ser pobre no Brasil? Filho de
> uma mãe gentil ou de uma madrasta vil? Ser tratado como cidadão
> ou excluído? Como gente... Ou como bicho?*
>
> *
>
> **Premiada pela UNESCO, Clarice Zeitel, de 26 anos**, estudante
> que termina faculdade de direito da UFRJ em julho, concorreu com
> outros 50 mil estudantes universitários.
> Ela acaba de voltar de Paris, onde recebeu um prêmio da
> Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
> Cultura (UNESCO) por uma redação sobre 'Como vencer a pobreza e
> a desigualdade'
>
> A redação de Clarice intitulada `Pátria Madrasta Vil´ foi
> incluída num livro, com outros cem textos selecionados no
> concurso. A publicação está disponível no site da Biblioteca
> Virtual da UNESCO.*
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