.....................................................................................................................................................................Porque não só vives no mundo, mas o mundo vive em ti. .....................................................................................................

sábado, 9 de maio de 2009

Da sua natureza

(Imagem-SeanRyanCooley)


Sorte nossa que as árvores não gemam e os animais não falem. Imagine se cada vez que se aproximasse uma motosserra as árvores começassem a gritar "Ai, ai, ai!" e aos bois não faltassem argumentos razoáveis para não querer entrar no matadouro. Imagine porcos parlamentando em causa própria, galinhas bem articuladas reivindicando sua participação na renda dos ovos e gritando slogans contra o hábito bárbaro de comê-las, pássaros engaiolados fazendo discursos inflamados pela liberdade. Os únicos bichos que falam são os papagaios, mas até hoje não se tem notícia de um que defendesse os direitos dos outros. O papagaio tem voz, mas nao tem consciência de classe. A vida humana seria difícil se não pudéssemos colher uma beterraba sem ouvir as lamentações da sua família e insultos do resto da horta. Não deixaríamos de comer, claro. Nem beterrabas, nem bois ou galinhas, apesar dos seus protestos. Mas o remorso, e uma correta noção da prepotência inerente à condição de espécie dominante, faria parte da nossa dieta. Teríamos uma idéia mais exata da nossa crueldade indispensável, sem a qual não viveríamos. Sorte nossa que os vegetais e os animais não têm nem uma linguagem, quanto mais um discurso organizado. Não os comeríamos com a mesma empáfia se tivessem. O único consolo deles é que também padecemos da falta de comunicação: ainda não encontramos um jeito de negociar com os germes, convencer os vírus a nos pouparem com retórica e dar remorso em epidemias.


Eu às vezes fico pensando em como seria se os brasileiros falassem. Se protestassem contra o que lhes fazem, se fizessem discursos indignados em todas as filas de matadouros, se cobrassem com veemência uma participação em tudo o que produzem para enriquecer os outros, reagissem a todas as mentiras que lhes dizem, reclamassem tudo que lhes foi negado e sonegado e se negassem a continuar sendo devorados, rotineiramente em silêncio. Não é da sua natureza, eu sei, só estou especulando. Ainda seriam dominados por quem domina a linguagem e, além de tudo, sabe que fala mais alto o que nem boca tem, o dinheiro. Mas pelo menos não os comeriam com a mesma empáfia.


(Luiz Fernando Veríssimo - O mundo é bárbaro!)




Reli ontem este livro de L.F.Veríssimo e esta pequena, mas inquietante crônica ficou em meus pensamentos. Livro bom é assim, acabamos de ler, mas as palavras ficam.
Acontece que, hoje é sábado e amanhã domingo. E quem sabe alguma coisa muda!
Bom final de semana prá todo mundo!



4 comentários:

Isabella disse...

Oi Beth, comecei a ler o texto e pensei: Puxa, a Beth está super afiada hoje! E George Orwell me veio a cabeça imediatamente com o seu excelente Animal Farm mas só mesmo pra constatar que se os bichos tivessem voz agiriam tais quais nós, humanos...

Quanto ao nosso povo, não sei é só falta de vontade de colocar a boca no mundo não... É por que não há quem reenforce as leis. Americano é educado e tudo mais mas procura seguir as leis pra não complicar a vida!

Mas nem todo mundo gosta disso... É aí que mora o perigo!

bjs primaverais e um LINDO dia das mães pra vc e sua mãe!

ML disse...

Ai, Beth, fiquei super emocionada com este post.
Dá vontade de comer sopa de pedra mesmo.
Super lindo lançar mais uma idéia sensibilíssima.

bjnhs e um bom final de semana aí.

Cristiane A. Fetter disse...

Como seria bom.
bjks

Anny disse...

Adoro suas reecomendações.
Está anotado.
Beijos.
Anny.