A moça caminhava, elegante, corpo bem feito, bem vestida, cabelos compridos colocados charmosamente enrolados de um lado do pescoço.
Ela aparecia nitidamente naquele campo aberto que é a Praça XV, local onde as barcas que fazem o circuito da Baía de Guanabara aportam e chegam a todo o momento com centenas de pessoas que trabalham ou estudam no centro do Rio. A moça chamava atenção, não só pela bonita silhueta, mas pelo objeto que conduzia em uma de suas mãos, reluzente, na manhã ensolarada de outono, onde ainda poucas pessoas caminhavam para seus afazeres.
Como podia andar com passos tão precisos por aquela vasta praça, e somente a ponta do objeto dando-lhe a noção do que vinha à frente? Parecia estar pronta a responder a desafios e tomar rapidamente as suas decisões, vencer seu dia a dia sem agonia ou medo.
Lá na frente, ainda um pouco distante, uma máquina de limpeza de ruas, cheia de escovas e mangueiras grossas, funcionava com o auxílio de algum operário sonolento da Prefeitura.
E a moça, estava indo direto para ela sem imaginar, sem ouvir o ruído surdo, sem ver o perigo que a esperava se continuasse andando naquele ritmo e direção.
O homem, pressentindo o pior, acelerou o passo, aproximou-se ao lado da moça e com fala educada e baixa disse-lhe que se continuasse seguindo naquele sentido, encontraria com a tal máquina em seu caminho e seria complicado atravessar naquele ponto.
Ela, como um robô, estancou imediatamente, assim como todos os cegos agem na iminência de algum obstáculo ou perigo.
Ele, ofereceu-lhe o braço e conduziu-a até o outro lado da praça, deixando-a num lugar seguro e, talvez mais acessível para ela.
A impressão que deu é que ela conhecia aqueles lugares e que por ali passava todos os dias para um trabalho ou para um estudo.
Agradeceu-o com um sorriso e foi em frente, balançando sua bengala orientadora.
Ele, parou por uns segundos a observá-la e ver seu caminhar por aquelas ruas do centro da cidade, esburacadas, mal cuidadas, sujas, como de qualquer outro centro de cidade pelo país àfora. Não lhe perguntou ao que ia ou o que fazia na vida, apenas desejou ajudá-la naquele instante de travessia.
Suas reflexões, de forma resumida daquele momento, foram a mim contadas e, juntos, chegamos à conclusão de que o ser humano quando precisa, quando persevera naquilo que quer, dirige sua vida e vai em frente, sem medo, sem fronteiras, sem 'enxergar' os obstáculos.
Muitas vezes, algumas mãos bondosas e gentis aparecem, sem interesses, para ajudar a atravessar momentos complicados.
Voltei a pensar na felicidade que é desfrutar da vida quando temos tudo o que precisamos - nossas mãos e pés, nossos olhos, ouvidos e a mente perfeitos! E se amanhã, chover ou fizer um nevoeiro que me impeça de enxergar bem lá adiante, não ficarei infeliz ... porque ficaria?
3 comentários:
Oi, Beth.
Que delicadeza este seu texto.
É isso aí.
Como dizia minha avó "a gente reclama de barriga cheia".
bjnhs
Outro dia desses vi uma moça aqui com aquela guia nas mãos.
Jovem, bonita, bem vestida... fiquei pensando, temos tudo e reclamamos de tudo.
beijos e bom fds!!!!
Beth,
Vim conhecer seu blog e gostei muito do que já li.
O texto da moça cega nos faz pensar bastante no quanto somos felizes por não termos nenhum limite físico, e como é importante aprendermos a superar obstáculos.
O post do seu aniversário me lembrou aquilo que escrevi num convite para festejar o meu. Agradeci, particularmente, a todos que tinham grande importância na minha vida.
E a poesia da Cora Coralina é linda.
Beijos
Postar um comentário